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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Pamênides: Da Natureza


Fragmento 1
Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo de impele, conduzem-me, depois de me terem dirigido pelo caminho famoso da divindade, que leva o homem sabedor por todas as cidades.
Por aí me levaram, por aí mesmo me lavaram os habilíssimos corcéis, puxando o carro, enquanto as jovens mostravam o caminho.
O eixo silvava nos cubos como uma siringe, incandescendo (ao ser movido pelas duas rodas que vertiginosamente o impeliam de um e de outro lado), quando se apressaram as jovens filhas do sol a levar-me, abandonando a região da Noite para a luz, libertando com as mãos a cabeça dos véus que a escondiam.
Aí está o portal que separa os caminhos da Noite e do Dia, encimado por um dintel e um umbral de pedra; o portal, etéreo, fechado por enormes batentes, dos quais a Justiça vingadora detém as chaves que os abrem e fecham.
A ela se dirigiram as jovens, com doces palavras, persuadindo-a habilmente a erguer para elas por um instante a barra do portal. E ele abriu-se, revelando um abismo hiante, enquanto fazia girar, um atrás do outro, os estridentes gonzos de bronze, fixados com pregos a cavilhas. Por ali, atrás do portal, as jovens guiaram com celeridade o carro e os corcéis.
E a deusa acolheu-me de bom grado, mão na mão direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: “Ó jovem, acompanhante de aurigas imortais, tu, que chegas até nós transportado pelos corcéis, Salve! Não foi um mau destino que te induziu a viajar por este caminho – tão fora do trilho dos homens –, mas o Direito e a Justiça. Terás, pois, de tudo aprender: o coração inabalável da realidade [ou “da verdade”] fidedigna e as crenças dos mortais, em que não há confiança genuína. Mas também isso aprenderás: como as aparências têm de aparentemente ser, passando todas através de tudo”.
Fragmentos 2-5
Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar: um que é, que não é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a realidade); o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o não-ser, não é possível, nem indicá-lo [...]
[...] pois o mesmo é pensar e ser.
Nota também como o que está longe pela mente se torna firmemente presente: pois não separarás o ser de sua continuidade com o ser, nem dispersando-o por toda a parte segundo a ordem do mundo, nem reunindo-o.
[...] para mim é o mesmo por onde hei de começar: pois aí tornarei de novo.
Fragmento 6
É necessário que o ser, o dizer e o pensar sejam: pois podem ser, enquanto o nada não é: nisto te indico que reflitas.
Desta primeira via de investigação te [afasto], e logo também daquela em que os mortais, que nada sabem, vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade lhes guia no peito a mente errante; e são levados, surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indecisa, que acredita que o ser e o não-ser são o mesmo e o não-mesmo, para quem é regressivo o caminho de todas as coisas.
Fragmentos 7-8 [1]
Pois nunca isto será demonstrado: que são as coisas que não são; mas afasta desta via de investigação o pensamento, não te force por esse caminho o costume muito experimentado, deixando vaguear olhos que não veem, ouvidos soantes e língua, mas decide pela razão a prova muito disputada de que falei.
Só falta agora falar do caminho que é. Sobre esse são muitos os sinais de que o ser é ingênito e indestrutível, pois é compacto, inabalável e sem fim; não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, uno, contínuo. Com efeito, que origem lhe investigarias? Como e onde se acrescentaria? Nem do não-ser te deixarei falar, nem pensar: pois não é dizível, nem pensável, visto que não é. E que necessidade o impeliria a nascer, depois ou antes, começando do nada?
E, assim, é necessário que seja de todo, ou não.
Nem a força da confiança consentirá que do não-ser nasça algo ao pé do ser. Por isso nem nascer, nem perecer, permite a Justiça, afrouxando as cadeias, mas sustém-nas: esta é a decisão acerca disso – é ou não é –; decidido está então, como necessidade, deixar uma das vias como impensável e inexprimível (pois não é via verdadeira), enquanto a outra é a autêntica.
Como poderia o ser perecer? Como poderia gerar-se? Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser.
E assim a gênese se extingue e da destruição não se fala.
Nem é divisível, visto ser todo homogêneo, nem num lado é mais, que o impeça de ser contínuo, nem noutro menos, mas é todo cheio de ser e por isso todo contínuo, pois o ser é com o ser.
Além disso, é imóvel nas cadeias dos potentes laços, sem princípio nem fim, pois gênese e destruição foram afastadas para longe, repelidas pela confiança verdadeira.
O mesmo em si mesmo permanece e por si mesmo repousa, e assim firme em si fica. Pois a potente Necessidade o tem nos limites dos laços, que de todo o lado o cercam.
Pois não é justo que o ser seja incompleto: pois não é carente; ao [não-]ser, contudo, tudo lhe falta. O mesmo é o que há para pensar e aquilo por causa de que há pensamento.
Pois, sem o ser – ao qual está prometido –, não acharás o pensar. Pois não é e não será outra coisa além do ser, visto o Destino o ter amarrado para ser inteiro e imóvel. Acerca dele são todos os nomes que os mortais instituíram, confiantes de que eram reais: “gerar-se” e “destruir-se”, “ser” e “não ser”, “mudar de lugar” e “mudar a cor brilhante”.
Visto que tem um limite extremo, é completo por todos os lados, semelhante à massa de uma esfera bem rotunda, em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem maior, nem menor, aqui ou ali, é forçoso que seja.
Pois nem o não-ser é, que o impeça de chegar até o mesmo, nem é possível que o ser seja maior aqui, menor ali, visto ser todo inviolável: pois é igual por todo o lado, e fica igualmente nos limites.
Nisso cesso o discurso fiável e o pensamento em torno da verdade; depois disso as humanas opiniões aprende, escutando a ordem enganadora das minhas palavras. E estabeleceram duas formas, que nomearam, das quais uma não deviam nomear – e nisso erraram –, e separaram os contrários como corpos e postaram sinais, separados uns dos outros: aqui a chama do fogo etéreo, branda, muito leve, em tudo a mesma consigo, mas não a mesma com a outra; e a outra também em si contrária, a noite sem luz, espessa e pesada.
Esta ordem cósmica eu te declaro toda plausível, de modo algum que nenhum saber dos mortais te venha transviar.
Fragmentos 9-11
Mas, uma vez que tudo é chamado luz ou noite e o conforme a estas potências é dado a isto e aquilo, tudo é igualmente cheio de luz e de noite obscura, ambas iguais, visto cada uma delas ser como nada.
E conhecerás a natureza do éter e no éter de todos os sinais e dos raios da pura lâmpada do sol as obras destruidoras, e de onde nascem, e conhecerás as obras que rodam em torno da lua de olho redondo e a sua natureza, e saberás do céu que os tem à volta, e de onde nasce, e como guiando-o a Necessidade o obriga a conter os limites dos astros.
[...] como a terra e o sol e a lua e o éter que a tudo é comum e a Via-Láctea e o Olimpo extremo e o calor ardente dos astros forçados a nascer.
Fragmentos 12-13 [2]
Pois as coroas mais estreitas enchem-se de fogo sem mistura e as que vêm à noite depois destas, mas com elas lança-se uma parte de chama.
No meio delas está a divindade que tudo governa; pois em tudo comanda o parto dolorosoe a mistura, impelindo a fêmea a unir-se ao macho, e ao contrário o macho à fêmea.
Primeiro que todos os deuses, concebeu Eros.
Fragmentos 14-16
Facho noturno, em torno à terra, alumiado a uma alheia luz. Sempre à espreita dos raios do sol.
(15a [Nota posterior]: Parmênides no poema diz que “a terra tem raízes na água”.)
Pois, tal como cada um tem mistura nos membros errantes, assim aos homens chega o pensamento; pois o mesmo é o que nos homens pensa, a natureza dos membros, em cada um e em todos; pois o mais [pleno] é o pensamento.
Fragmentos 17-19
À direita os machos, à esquerda as fêmeas.
Quando a mulher e o homem juntos misturam as sementes de Vênus, a força que se forma nas veias a partir de sangues diversos, mantendo o equilíbrio, gera corpos bem formados.
Se, contudo, misturados os sêmens, as forças se opõem, e não fazem unidade, misturados no corpo, cruéis, atormentam o sexo da criança com o duplo sêmen.
Assim, segundo a opinião, as coisas nasceram e agora são e depois crescerão e hão de ter fim. A essas os homens puseram um nome que a cada uma distingue.




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